Galle, Sri Lanka
Talvez seja o que resta do tecto da sala aquilo em que o menino está sentado. A cama da avó querida, desaparecida. Um armário da cozinha, onde a mãe preparava deliciosos repastos com o que o mar diariamente lhes oferecia. Talvez o soalho do próprio quarto, que partilhava com duas das irmãs que hoje não estão lá para o levar à escola. Um pedaço do que resta da sua casa, enfim, como o tijolo que segura nas mãos. Sabe que este o abrigou da chuva das monções, que o protegeu dos ventos invernais, que resistiu à brutalidade das ondas. Talvez não tenha total noção do que se passa, mas sabe que o pai lhe pediu para procurar tijolos intactos, por entre o pó do que resta das suas vidas. Sabe que a família encurtou, que à noite vê as estrelas do que foi a sua cama, que tem muita sede, alguma fome, nenhuma roupa. Talvez saiba que das suas mãos desliza algo que fará parte do seu novo lar. Talvez por isso tenha forças. E sorria. Apesar de tudo. Apesar do nada em que a sua família mergulhou.
Nota do autor: Galle, no sul do Sri Lanka, foi uma das regiões mais castigadas pelo maremoto de Dezembro de 2004.
Texto do Líder Nomad: Filipe Morato Gomes (autor da Alma de Viajante)